Júlio Faria recordado por Pedro Ribeiro e José Bento dos Santos

05/10/2021

Júlio Faria iniciou-se no rugby na nossa segunda época 1964/65, quando veio estudar para Lisboa no IST, curso que não terminou. Pouco depois de se ter juntado ao nosso Clube conquistou um lugar na nossa equipa principal e desde logo se revelou um pilar de elevado nível. Total entrega ao jogo foi sempre umas das suas caraterísticas. Fez parte da equipa que conquistou o campeonato da 2ª divisão em 1964/65, o torneio de Abertura, Taça Aníbal de Matos, em 1967/68 e a primeira taça de Portugal em 1969 e, enquanto jogador do Técnico, foi internacional 5 vezes tendo-se estreado em Março de 1967 no jogo com a Espanha que Portugal venceu por 5-0.
A sua carreira foi cortada pela mobilização para o exército tendo passado mais de 2 anos em Moçambique durante o período da guerra de África. Quando regressou, voltou a representar o nosso clube, mas, devido à morte do pai, teve de voltar à sua terra natal, Esposende, para continuar as atividades comerciais do seu pai. Mantendo o seu entusiasmo pelo Rugby decidiu continuar a sua carreira no CDUP onde, além de jogador, foi também treinador. Mas, desafiado pelos fundadores do Clube de Rugby dos Arcos de Valdevez (CRAV), passou a integrar este clube onde terminou a sua carreira de jogador. Foi uma peça importante na afirmação do CRAV no panorama do rugby nacional tendo sido seu treinador durante muitas épocas, até à segunda década do sec. XXI. Foram 40 anos de total entrega ao seu deporto onde era admirado por todos aqueles que com ele jogaram e conviveram. Deixa marcas significativas nos 3 clubes que representou.” – Pedro Ribeiro, fundador do Clube de Rugby do Técnico.

 

“Fomos companheiros de equipa; fui seu treinador no Técnico e na Seleção Nacional; foram grandes privilégios, jogar e treinar um dos melhores jogadores de rugby da sua geração. Mas o maior privilégio foi ser seu Amigo e receber dele uma amizade firme como uma rocha, como era a sua postura e atitude perante a vida.
Recordo quando foi mobilizado para Moçambique, o que sabíamos causar-lhe um drama familiar tremendo, tendo todos nós acompanhado esse seu comovente e difícil momento da vida. Recordo ainda as palavras que o Pedro Ribeiro me dirigiu pouco tempo depois, numa daquelas crises existenciais do nosso querido Técnico, onde tudo se parecia querer desmoronar: “ Se estivesse cá o Júlio Faria, isto não estava a acontecer …”.
A sua áurea dentro da equipa era imensa. Exemplo maior de jogador superdotado mas que encarava todos os treinos com apego e entrega total. O jogo, encarava-o com devoção, oferecendo à equipa e aos companheiros a sua força, lealdade, abnegação e sacrifício. Nunca o vi desistir, bem pelo contrário, mesmo nas circunstâncias mais adversas, era sempre ele o porta-estandarte da vontade de vencer e da glória da nossa equipa.
Do livro de memórias que estou a escrever, extraí esta pequena história, reveladora do seu brio, da sua coragem e, sobretudo, das suas causas:
Tínhamos perdido o primeiro jogo em Bordéus. Aqueles diabólicos três quartos dos franceses deram-nos água pela barba, o que foi confirmado por um resultado sem glória.
Preparámo-nos com grande afinco para o segundo jogo. Tínhamos recuperado da viagem, conhecíamos o adversário e sabíamos que haveria que, tacticamente, “opor o forte ao fraco”, ou seja, jogar só com avançados para não sermos surpreendidos pelos três-quartos deles.
O tempo colaborou, pois choveu durante todo o jogo. O nosso ‘pack’ avançado tinha uma envergadura superior ao dos franceses, e sabíamos jogar ‘fechado’.
Foi um match de gigantesco sacrifício para os nossos avançados, com especial relevo para a primeira linha, onde o Júlio Faria, um dos mais extraordinários pilares que conheci, pontificou.
Conseguimos marcar um ensaio de antologia a empurrar a ‘melée’ deles até cairmos dentro da área e com a transformação ficarmos a ganhar 5-0. Ambas as equipas converteram uma penalidade e a escassos minutos do fim ganhávamos por 8-3. Defendíamos com tudo o que tínhamos para dar, só quem jogou rugby sabe o que significam estes momentos de abnegação, quando as forças já desapareceram e só resta o coração.
Uma falta nossa, no desespero da defesa, mudou o resultado para 8-6, ainda a nosso favor.
Tristes, mas não desmoralizados, completamente encharcados e desfigurados pela lama, sabíamos que havia que lutar até ao fim. Atrás dos postes, molhado até aos ossos, o António Carqueijeiro, nosso treinador, gritou algo de transcendente: “Vencer sem lutar é triunfar sem Glória!”, lembrando-nos as célebres palavras de Napoleão, em plena batalha.
O esforço sobre-humano foi inútil, perante a adversidade. No último minuto, um drop dos franceses deu-lhes a vitória por um ponto.
Metia dó, entrar naquele balneário soturno e silencioso, que deveria estar a festejar a vitória ruidosamente. Todos nós sentados, os cotovelos sobre os joelhos e as mãos debaixo do queixo a amparar a cabeça caída e destroçada. O silêncio era medonho.
Por fim, o Júlio Faria, o herói do jogo, levantou a cabeça e disse: 
“O rugby não é um jogo, é um estado de espírito.”
Adeus Júlio. Adeus querido Amigo. Associo-me nas condolências à tua Família.
O teu exemplo maior é hoje parte integrante do património humano e rugbistico do nosso Clube de Rugby do Técnico” – José Bento dos Santos, Presidente da Assembleia Geral do Clube de Rugby do Técnico.

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